segunda-feira, 21 de julho de 2008

Os efeitos jurídicos da união homossexual





Em junho de 1997, quando apresentei o trabalho de conclusão do curso de Direito na ULBRA/Canoas, abordei o tema ?Os Efeitos Jurídicos da União Homossexual?, tendo como orientador Dr. José Alberto Marques Moreira, o qual assinou a publicação do livro em 1999 pela Editora DATACERTA, de Porto Alegre, junto comigo.
Em julho de 1999, ano da publicação, a obra tinha por objetivo revelar o preconceito e a discriminação vividos por casais homossexuais em nossa sociedade. Por tal estigma, viviam quase isolados, tanto no aspecto social, como jurídico, trazendo assim, a importância jurídica de se conhecer os efeitos patrimoniais que geram os relacionamentos de pessoas do mesmo sexo.
A obra foi direcionada a estudantes de Direito, pois abordava, de uma maneira direta e simples, assuntos relacionados aos direitos dos homossexuais, como a visão mundial da parceria civil, o princípio da igualdade frente à discriminação sexual, os direitos sucessórios e direito a alimentos, a adoção e os benefícios da previdência. O trabalho foi inovador na área, pois fugia às abordagens tradicionais de casamento e/ou concubinato.
A homossexualidade marcou sua existência na maioria das sociedades desde os mais remotos tempos. As várias culturas diferiram em suas reações com relação a esta orientação sexual: foi aceita, valorizada, reprimida ou simplesmente tolerada.
Entretanto, as negativas sofridas pelos parceiros homossexuais não podiam e não podem mais subsistir, por contrariarem a liberdade fundamental a que faz jus todo o ser humano, no que diz respeito à condição de sua vida sexual.
Paralelo à elaboração do trabalho de conclusão, acompanhamos o andamento do Projeto de Lei nº 1.115/95 de autoria da deputada federal Marta Suplicy, sendo Relator o Deputado Roberto Jefferson. O projeto foi realizado com profunda intervenção cirúrgica, cujos quelódes surgiram desde os primeiros dias de sua proposição, eis que visava a legalização destas parcerias. Garantiria o direito à propriedade, à sucessão, aos benefícios previdenciários, seguro saúde conjunto, declaração conjunta do importo de renda, direito à nacionalização no caso de estrangeiro e renda conjunta para compra de imóveis. Pretendia-se, com isso, reconhecer e assegurar os direitos de milhares de pessoas que, por sua orientação sexual, não podem ter os mesmos negados.
O princípio da igualdade ou isonomia assevera que o cidadão (homem e mulher) não pode ser discriminado. Este direito está inserido no artigo 5º da Constituição Federal, vedando a distinção de qualquer natureza, ou seja, racial, profissional, religiosa, ideológica, sexual, entre outras.
Temos que todo o ?contrato? ou todo o ?instituto jurídico? tem causa ético-social ou econômico-social. A união de pessoas do mesmo sexo, é de pressupor, tem também uma causa ético-social: o amor é a base ético-jurídica da instituição Parceria Civil Registrada. Ao ?Estado? interessa, objetivamente, uma justa atribuição dos direitos-deveres entre as partes.
O Juiz Roger Raupp, da 10ª Vara Federal do Rio Grande do Sul, proferiu uma das mais bem fundamentadas sentenças sobre a parceria homossexual, datada em 1996. Nela, analisou os efeitos jurídicos da relação, sob o ponto de vista da Constituição Federal e dos Direitos Fundamentais. Foi acolhido o pedido do segundo autor de ser incluído como beneficiário do primeiro, no plano de saúde mantido pela Caixa Econômica Federal (Funcef), que, de maneira simplista, esclareceu que ?dentre outros direitos fundamentais, garante a Constituição da República a igualdade, plasmada, assim, o princípio da isonomia. No âmbito da sexualidade, esse princípio mereceu especial proteção mediante a proibição de qualquer discriminação sexual infundada: invocou, dentre outras normas, o inciso I do artigo 5º (igualdade de direitos e deverres entre homens e mulheres) e o inciso XXX do art. 7º. (proibição de diferença de salários, exercício de funções e critério de admissão por motivo de sexo)?. Salientou, ainda, que a discriminação de um ser humano em virtude de sua orientação sexual constitui, precisamente, uma hipótese de discriminação.
Afirma-se que não existe diferença entre a união estável de heterossexuais e homossexuais, quanto à existência. Assim, cabe analogia entre a união estável (art. 226, § 3º da CF/88) e a união de pessoas do mesmo sexo, esta não prevista pelo legislador. Conseqüentemente, buscar-se-á naquela fundamentos jurídicos, pois não existe, ainda, no ordenamento jurídico, uma regra específica para a união estável dos homossexuais. Outrossim, existe uma semelhança no essencial, e identidade de motivos entre os dois casos, pela inteligência do artigo 4º da LICC.
Em 04/03/04 vários jornais publicaram que as pessoas do mesmo sexo poderão registrar a união afetiva entre os parceiros. Tal decisão teve repercussão nacional, eis que foi publicado no Diário da Justiça a medida baixada pelo Corregedor-Geral da Justiça, Desembargador Aristides Pedroso de Albuquerque Neto, na qual passou a permitir que os Cartórios de Registros de Notas de Estado do Rio Grande do Sul registrassem documentos relativos às uniões efetivas de pessoas do mesmo sexo.
O Magistrado afirmou ?não obstante as discussões éticas, filosóficas, antropológicas e religiosas sobre o tema, o fato é que as relações homossexuais existem e por isso, em razão da segurança jurídica, merecem ser disciplinadas independentemente da posição que se tenha?.
Afirmou, ainda, ?quando se tratam de relações de fato- caracterizado como união estável ? entre o homem e a mulher ? a própria Constituição tutela (art. 226,§3º, da CF). Mesmo que ainda não caracterizada a união estável, como na hipótese regrada pela Constituição, os interessados poderão fazer o registro dos documentos que digam respeito à relação afetiva, com base no princípio da segurança jurídica?.
A origem do provimento nº 06/2004-CGJ teve no pedido de informações da 2ª Promotoria de Justiça de Defesa dos Direitos Humanos, do Ministério Público do Rio Grande do Sul, o qual teria recebido informações da negativa de vários tabelionatos da Capital/RS em lavrar escritura pública de união estável dos parceiros homossexuais.
No realizado em1997, afirmamos que a relação homossexual não merece julgamento. É um fato da vida privada do cidadão. Não é boa nem ruim: é como os demais relacionamentos. A questão primordial, sob o ponto de vista técnico, é que, tratando-se de um fato da vida, e tendo relevância social, é de suma importância que o legislador tenha a preocupação em regulamentar. E como podemos observar, a Constituição não veda este tipo de relacionamento, pelo contrário, repele qualquer tipo de discriminação.
Milito há 8 anos na Justiça do Trabalho. Na época, a idéia era ?sem pé nem cabeça?, diziam os colegas. Porém, comecei a estudar o tema, sempre buscando respostas para as dúvidas que surgiam ao longo da pesquisa. Segui minha meta com muita dificuldade, pois existia pouco material para pesquisa e a internet, no Rio Grande do Sul, era rara.
Após oito anos, a minha tese foi confirmada em parte.
Graciela Leães Alvares da Cunha
04/05/2004